terça-feira, maio 16, 2017

era ainda segunda-feira de uma semana sem nenhuma importância grandiosa: ele chegou todo de preto, com sapatos muito elegantes também pretos e um vinho branco bem gelado nas mãos. tinha acabado de ganhar um prêmio de fotografia de moda num evento em São Paulo, e acho que a gente ia comemorar isso. na verdade a gente ia comemorar algo que sempre celebrávamos juntos,o fato de que estávamos vivos, pulsantes e latentes. ele estava com o tom de voz ainda um pouco confuso, acho que por causa do evento e porque ele precisou subir no palco, dizia ser muito tímido, não levava jeito com público, no fundo eu entendia bastante sobre isso, porque eu também era apesar de não demonstrar. quando o interfone tocou, eu estava trocando de calça para recebê-lo, resolvi vestir uma de cor vinho porque era noite de outono e eu acreditava muito nisso das tonalidades, e sei que ele também. acendi uma vela verde porque era noite de caminhos se abrindo, e resolvi pedir às bençãos de oxóssi para a ocasião. desliguei as luzes mais fortes da casa e tratei de manter uma iluminação baixa e aconchegante, enquanto ele organizava o próprio corpo no sofá.
eu sempre decido colocar nina simone na trilha sonora porque acho que ela me acompanha bem pros negócios amorosos da vida, e assim começamos a nos olhar: nina simone, vela verde, sapatos pretos, vinho branco, luzes baixas, prêmio e vento frio de outono.
acendeu um cigarro, eu abri um pouco mais as janelas, o frescor ajuda a gente a circular melhor as emoções. busquei as taças e me certifiquei de uma garrafa de água cheia por perto, pra também ajudar nisso de fluidificar o que guardávamos dentro de nós, no coração. talvez porque o nosso lance é bem físico, nesses casos preciso de todos os elementos da natureza  pra ajudarem no circular dos movimentos corporais.
a avenida estava silenciosa, me lembro que ele disse que não queria discutir o fato de que eu estava um pouco brava ainda do nosso último desentendimento, eu respondi que não era hora de falar mesmo de nada que não fosse o momento presente, porque era uma segunda-feira ordinária mas era um dia de celebração. porque a vida é uma só, porque tudo isso é um grande pulso, porque coexistimos e isto é grandioso, é o que no fim, deveria importar.
confesso que fiquei feliz dele vir até a minha casa, às vezes eu acho que a gente combina muito mesmo, e algo em mim ganha um formato de conforto emocional muito rejuvenescedor, mas outro algo em mim também sabe que a gente não vai aprofundar nada além desses encontros superficiais e claramente sexuais, e que os caminhos de nossas vidas são diferentes, serão.
ele sempre ressalta que eu sou muito mais nova na idade, e nisso eu confirmo o quanto acredito que ele me subestima, entendo a dinâmica cronológica sim, e respeito muito o tempo ordenado e vivido de cada um, mas acho que os encontros não são estradas com placas indicando limites. acho que os encontros são poços líquidos que pedem escoamento, que escorrem para além das obviedades...acho que os encontros são a oportunidade que ganhamos para a celebração de estarmos vivos, pulsantes e latentes...mesmo quando ainda é segunda-feira, e quando sabemos que no fundo no fundo, os prêmios são insignificâncias perto da delícia da troca real de estarmos ali: acesos, conscientes, excitados, atentos, insistentes e apaixonados. pelo agora (...)

Um comentário:

fel disse...

lembrei desse endereço de blog agora
e fiquei feliz demais de ver ele vivo
te amo demais