sexta-feira, fevereiro 03, 2017

mais ou menos final de junho de 2014, você veio tirar tarot pra mim, eu sem grana peguei emprestado, te paguei com cheque alheio, senti sua densidade do portão de fora, a casa nem era minha, eu não tinha nem roupas direito, totalmente à mercê. eu lembro de alguma vizinha ensaiando ópera enquanto você lia nas cartas que chegava um amor "imenso, líquido, pra subjulgar o ego", eu claro não entendia muito, gostava de um cara desses últimos que nem aí, tava de mudança pra Minas, só queria viver perto das plantas e da leveza, como se meu dentro fosse a mesma coisa. aí você dizia que eu era terra mas tava terra demais, tava bloco de terra nos pés, sem ver caminho, eu ia buscando absorver as palavras, preocupada com a vela que queria apagar do vento, um vento não tão gelado como esse de agora, que entra pela janela enquanto fumo meu cigarro e penso em você, nisso, no mundo, olhei ao redor do que agora chamo de minha casa, luz baixa, várias plantas sim, flores também, um colorido no espaço, eu colorida por dentro, achando minha própria leveza, achando meus alimentos nutritivos não só na comida e enfim, agradecendo. agradecendo porque a vida sempre foi bela pra mim, mesmo quando feia, mesmo quando dura, difícil, bloco de terra compacto dificultando os passos, meu caminhar tem ganhando ângulo, você com a liberdade mais presa que já conheci, me ensinando desde então as subjetividades nos gestos, a poesia do estar viva, a poesia mesmo na tristeza que a gente compactua vivendo na cidade grande, pouco ar puro, ser humano decadente e ainda assim, poesia, ainda assim leveza, ainda assim vento gelado que conforta, água que irriga, desfixa, abre espaço e com isso, caminho. amor que ensina, qualquer amor vale a pena, mesmo o que não vale, qualquer corpo tem um conhecimento único e possível de ser entendido, possível de ser ensinado, passível de ser comungado, eu frescor interno mas ainda tem aquele alarme de não deixar ser tomada pela pressa, pelo automatismo evidente, vigente, exigente de estar viva, e lembrar que sim estou viva, vibro junto com isso tudo que vivo também está, esse todo, eu dizia, tem um todo não tem? e se tem um todo eu sou parte, você é parte, estamos aqui, não é isso, que no final, importa?